POLÍTICAS PÚBLICAS, AÇÕES AFIRMATIVAS E RACISMO

Políticas Públicas, Ações Afirmativas e Racismo


Resumo
Aborda duas questões propostas em sala de aula do curso de Especialização em Estudos Africanos e Afro-Brasileiros da PUC/Contagem para análise dentro das temáticas de políticas públicas e ações afirmativas, considerando ainda a reserva de cotas para afro-descendentes nas universidades públicas brasileiras como questão a ser discutida.

1 – A política de cotas, da maneira como é apresentada no artigo do antropólogo Kabengele Munanga, nos ajuda a perceber os avanços e recuos do debate sobre as cotas? Como?

O texto do Kabengele levanta diversas questões sobre a defesa da reserva de cotas para negros no Brasil, como estratégia de uma política de Ação Afirmativa. Nesse sentido, ajuda a perceber os avanços e recuos no debate. Primeiramente, ele começa descrevendo um pequeno histórico sobre as políticas de Ações Afirmativas em outros países onde elas já existem há mais tempo. Posteriormente, mostra os avanços que estas políticas causaram nos Estados Unidos a partir da década de 1960, no sentido de oferecer aos afro-americanos as chances de participar da dinâmica da mobilidade social crescente.

Em outro momento, Kabengele demonstra, citando pesquisas recentes do IBGE e do IPEA, a gravidade gritante da exclusão do negro (pretos e mestiços) na sociedade brasileira. Demonstra que no Brasil, a exclusão não é apenas social, mas racial, fazendo os brancos sempre terem um fator de privilégio em relação aos não-brancos. Mostra o recuo no debate quando diz que intelectuais de esquerda e representantes do governo teimam em tratar negros e não-negros, ricos e pobres, com estratégias políticas universais, desconsiderando as diferenças que exigem tratamento diferenciado em favor dos excluídos (que em um país racista como o Brasil são os não-brancos). Cita, então, a reserva de cotas como instrumento principal para oferecer oportunidades que seriam impossíveis sem essa ação, como por exemplo, a diminuição nas universidades brasileiras da desigualdade entre brancos e negros: do total dos universitários brasileiros, 97% são brancos, sobre 2% de negros e 1% de descendentes orientais. Fundamenta seu argumento na experiência vivida pelos países que a praticaram, destacando que o Brasil deve trilhar seus próprios caminhos, considerando o racismo da forma como ocorre no país. Diz ainda, que paralelamente às cotas, outros caminhos, a curto, médio e longo prazos, projetados em metas, poderiam ser inventados e incrementados.

Como avanço no debate, cita a luta dos movimentos sociais negros para arrancar da voz oficial brasileira a confissão de que esta sociedade é também racista, conseguindo, há pouco tempo, a reação do governo com a criação das propostas em benefício da população negra . Porém, cita que comparando ao avanço constatado, os três candidatos principais ao posto de presidente da República nas eleições de 2002 não mostraram uma postura clara e firme sobre esse problema.

Por outro lado, as cotas para negros em universidades já estão sendo adotadas por alguns Estados, como é o caso do Rio de Janeiro e da Bahia, inclusive derrubando alguns mitos levantados pelos que não se diziam a favor das cotas, como por exemplo, o mito de que o rendimento do aluno beneficiário da cota seria inferior ao não-cotista. Como outro avanço, cita a consciência política dos movimentos negros, quando reivindicam para a população negra seus direitos, tendo uma clara consciência de que poderão gozar um dia de sua plena cidadania, quando deixarão de ser diluídos no social geral e abstrato.

Portanto, percebemos os avanços e recuos no debate, levantados no texto de Kabengele Munanga. Muito ainda é necessário fazer, para que as políticas de Ações Afirmativas sejam aplicadas nos diversos setores sociais, dando a igualdade de oportunidades e de recursos aos negros. Mesmo que elas não combatam totalmente o racismo, (até porque para que isso ocorra outras medidas devem ser realizadas juntamente com as Ações Afirmativas), o conhecimento adquirido através das cotas proporcionará uma grande mobilidade social dos negros. O acesso à informação adquirida na universidade trará maiores recursos no caminho da luta pela sobrevivência, dando possibilidades de maiores defesas em relação ao preconceito e em relação aos grandes concursos públicos, exibindo um certo conhecimento que não dominavam antes.

2 – Se você fosse convidada a participar de uma reunião de conselheiros sobre a implantação de ações afirmativas, qual seriam os elementos que você apresentaria como prioritários para a implementação de políticas de ações afirmativas de longa duração e com garantia de resultados?

Cabe, a princípio, fazer algumas considerações sobre o racismo no Brasil. O nosso país é permeado por uma história que sempre colocou o negro em desvantagem em relação ao não-negro. Após a escravidão, a situação não melhorou e, ainda, foi camuflada pelo mito da democracia racial. Para que não houvesse manifestações e consciência política sobre o racismo institucional vigente, a idéia de que vivemos em um país mestiço onde não há lugar para discursos sobre a desigualdade racial foi imposta aos brasileiros.

Para implementar políticas de ações afirmativas, é necessário, primeiramente, acabar com o discurso da democracia racial, escancarando o racismo do Brasil destacando como ele impede o crescimento do país e a igualdade.

Não é possível construir uma ordem social igualitária na presunção de que não há conflitos de interesses, exigindo que grupos imensos de cidadãos continuem a pagar a conta de uma ilusória harmonia, sofrendo resignados a discriminação, fingindo não entender que isto acontece. (SILVA, p.34-35).

Outro fato importante é tirar a discriminação da “naturalidade” a que se submete no Brasil. Parece natural não existir negros nas mesmas porcentagens e condições que brancos na universidade, na política, nos cargos de chefia e liderança das grandes empresas, na representação diplomática, etc. É preciso entender que isso não é natural, e sim fruto do racismo institucional e estrutural que o país carrega. Importante observar que esta discussão deve ser tratada por todos os brasileiros, já que a desigualdade social no Brasil é causada principalmente por uma desigualdade racial e isso acarreta o não-desenvolvimento do país, sendo, portanto, um assunto não apenas dos negros, mas de toda a nação. Isso posto, não há como deixar de reconhecer igualmente a importância da ação afirmativa para a promoção social das populações negras, devendo-se advertir que ação afirmativa não é sinônimo de cotas numéricas. Outras ações são necessárias como programas contra a chamada “discriminação não intencional” no emprego, praticada por empresas contratantes com o governo, prevendo-se sanções, como proibição de licitar, multas, etc, para as recalcitrantes; criação de linhas de crédito especiais para financiar empresas de negros, mulheres e minorias; proibição da adoção de requisitos e testes para contratação que, aparentemente neutros, não sejam necessários à execução das tarefas para as quais os candidatos se habilitam; programas de apoio a empresas e instituições privadas de ensino, com linhas de crédito especiais e outros incentivos, a fim de que desenvolvam ações para que seus quadros de trabalhadores, docentes e discentes reflitam a diversidade social brasileira; incentivo à destinação de vagas das universidades públicas (federais, estaduais, municipais) para alunos negros oriundos da escola pública, a fim de que, o seu quadro de discentes seja representativo dessa diversidade.

É necessário também discutir as conseqüências do sistema de ensino vir repassando acriticamente concepções fantasiosas sobre a formação da sociedade brasileira e sobre a história do povo negro. Com a lei 10.639 – que obriga o ensino da História e Cultura Afro-Brasileira nas escolas, essa discussão torna-se ainda mais urgente.

Se quisermos realmente construir uma identidade genuinamente brasileira, o primeiro passo será rever o papel do sistema de ensino na imposição de uma visão fixa, única, e no repasse de preconceitos. Por exemplo, indagando dos professores de História se continuam a contar para seus alunos a “fábula das três raças”. (SILVA, p. 38).

Conferir igualdade nas oportunidades é um princípio que requer, diante do acúmulo histórico de injustiças e desigualdades, um tratamento diferenciado – não a reprodução ou a criação de novas injustiças, mas a supressão das existentes. Não há igualdade num tratamento idêntico a desiguais. Isso só reforça as desigualdades (LOBATO, 2003, p. 9). Por isso as ações afirmativas são essenciais, aliadas a projetos com foco na questão racial em secretarias de educação; professores especialistas em questões étnicos-raciais; programas e projetos em IES públicas e privadas; trabalho sócio-cultural com crianças e jovens; movimento de valorização da estética e cultura do povo negro; pré-vestibulares para negros e carentes; reserva de cotas para negros na mídia audiovisual valorizando sua cultura e não aumentando estereótipos, criação de leis que assegurem a reserva de cotas para os afro-descendentes nos diversos segmentos da sociedade, etc. O principal objetivo da discussão é direcionar políticas públicas e projetos de lei específicos para os afro-descendentes considerando o racismo enquanto fato estrutural, produtor de desigualdades e hierarquias sociais ao longo da história do Brasil. Estas medidas devem ser realizadas em conjunto com as propostas nesta discussão, para que as ações afirmativas tenham longa duração.

REFERÊNCIAS
LOBATO, Fátima; SANTOS, Renato Emerson dos (Orgs.). Ações afirmativas: políticas públicas contra as desigualdades raciais. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.
MUNANGA, Kabengele. Políticas de Ação Afirmativa em benefício da população negra no Brasil: um ponto de vista em defesa de cotas. In: GOMES, Nilma L.; MARTINS, Aracy A. (Orgs). Afirmando direitos: acesso e permanência de jovens negros nas universidades. Belo Horizonte: Autêntica, 2004, p.47-59.
SILVA, Jorge. População negra e ação afirmativa. In: VALENTIM, Silvani dos Santos. Apostila da disciplina de Educação, Políticas Públicas e Racismo do curso de pós-graduação em Estudos Africanos e Afro-brasileiros. Belo Horizonte: Instituto de Educação Continuada Pucminas, 2006.

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