ANA PAULA TAVARES ATIRANDO MANGA: A LITERATURA PÓS-INDEPENDÊNCIA EM ANGOLA
Paula Tavares atirando manga: a literatura pós-independência em Angola
Resumo
Realiza breve análise do perfil da literatura dos países africanos de língua portuguesa no período pós-independência, enfatizando o poema A Manga (1984) da escritora angolana Ana Paula Tavares.
Foto: Ana Paula Tavares
1 APRESENTAÇÃO
O ano de 1975 representa as independências dos países africanos de língua portuguesa (exceto Guiné-Bissau, que já era independente desde 1973). A literatura nestes países, no período anterior à independência, representava armas de denúncia do oprimido ao modelo colonizador, fazendo política e filosoficamente, através da escrita, o terreno para a revolução. Abordava a relação colonizador / colonizado que enfrentava.
Quando chegaste mais velhos contavam estórias. Tudo estava no seu lugar. A água. O som. A luz. Nossa harmonia. O texto oral. E só era texto não apenas pela fala mas porque havia árvores, paralelas sobre o crepitar de braços da floresta. E era texto porque havia gesto. Texto porque havia dança. Texto porque havia um ritual. Texto falado e ouvido e visto. É certo que podias ter pedido para ouvir e ver as estórias que os mais velhos contavam quando chegastes! Mas não! Preferiste disparar os canhões. (RUI, 1987, p. 29.).
De 1975 a 1980, ocorre o momento da utopia, da busca de um novo homem na opção socialista. A Guerra Fria encabeçada pelos Estados Unidos e pela ex-URSS é combatida em território africano, através do estímulo aos movimentos anti-governos no continente. Em Moçambique, a FRELIMO combatia a RENAMO (África do Sul), em Angola os partidos políticos também brigavam. Estas guerrilhas acabam com a utopia socialista nestes países (distopia), que se desarticulam formando os “senhores da guerra” – que ganham dinheiro com a guerra. Neste processo, os intelectuais começam a fazer uma crítica feroz, mas agora ao governo burocrático, havendo assim um “senso de missão” – a poesia continua sendo “arma de combate”, mas realizada de forma diferenciada daquela no período colonial. Há então, poesia concreta e crítica após as independências dos países africanos de língua portuguesa. A poesia não fala mais, apenas do país. O leque da temática se abre para mais subjetividade, para o eu-lírico falar também de coisas mais subjetivas. Da mesma forma, fala da tradição africana (na escrita) e da tradição ocidental também. A literatura, escrita em língua portuguesa, busca demonstrar as diversidades das etnias nos textos. Quebra-se a fronteira entre prosa e poesia.
Só que agora porque o meu espaço e tempo foi agredido para o defender por vezes dessituo do espaço e tempo e tempo mais total. O emendo não sou eu só. O mundo somos nós e os outros. E quando minha literatura transborda minha identidade é arma de luta e deve ser ação de interferir no mundo total para que se conquiste então o mundo universal. Escrever então é viver. Escrever assim é lutar. Literatura e identidade. Princípio e fim. Transformador. Dinâmico. Nunca estático para que além da defesa de mim me reconheça sempre que sou eu a partir de nós também para a desalienação do outro até que um dia virá e “os portos do mundo sejam portos de todo o mundo”. (RUI, 1987, p. 30).
2 A MANGA
Será apresentada agora, uma breve análise do poema “A Manga” (1984) de Paula Tavares, escritora angolana (Luanda) do período pós-independência. Sendo escritora do período, demonstra, através de seus versos, as características da literatura dessa época, marcada de subjetividade. Levanta ainda, especificamente, a subjetividade feminina, considerando a identidade angolana. Questiona o momento da utopia que precedeu a independência de Angola, através dessa subjetividade, ao mesmo tempo em que não perde a utopia da igualdade. Assim, procura reiterar a subjetividade na construção de um sujeito feminino (dotado de sentimentos individuais). Especificamente no poema “A Manga”, apresenta de forma individualista (subjetiva), uma visão do sexo própria dos angolanos, contrastando a diferença da visão católica européia.
A MANGA
Fruta do paraíso
companheira dos deuses
as mãos
tiram-lhe a pele
dúctil
como, se, de mantos
se tratasse
surge a carne chegadinha
fio a fio
ao coração:
leve
morno
mastigável
o cheiro permanece
para que a encontrem
os meninos
pelo faro.
Percebe-se, logo nos primeiros versos, uma referência à Bíblia católica (“fruta do paraíso companheira dos deuses”), aqui representada pela manga (ao invés da maçã comida por Eva no paraíso, como ocorre na Bíblia). Logo após, a referência à “tiram-lhe a pele dúctil como se de mantos se tratasse”, leva o leitor a identificar o ato de descascar a manga (“a pele” da manga), com o ato de despir uma pessoa (“como se de mantos se tratasse”). Isso é reafirmado nos versos seguintes: “surge a carne chegadinha fio a fio”. A “carne da manga” é a imagem utilizada para representar a carne (o corpo) humano jovem. Em seguida: “ao coração leve, morno, mastigável”, caracterizam a narração da imagem de uma pessoa sendo despida com muito prazer e carinho. “o cheiro permanece” compara o cheiro da manga com o cheiro do sexo. “Para que a encontrem os meninos pelo faro”, define finalmente, o gênero feminino, ou seja, a manga é a imagem utilizada para representar a mulher, sendo despida para o ato sexual com muito prazer e carinho (contrariando a visão da sexualidade feminina do catolicismo europeu, em que o sexo é somente para procriar). A autora apresenta, portanto, sob um ponto de vista feminino e angolano, a sexualidade da mulher, construindo com uma temática subjetiva (a sexualidade), um sujeito feminino em forma de poesia.
3 CONCLUSÃO
Escrever poeticamente a subjetividade humana (lirismo intimista), não perdendo de vista as características próprias do país, a utopia da igualdade, e a estética literária, foram, em geral, as formas que os escritores dos países africanos de língua portuguesa pós-independência encontraram como forma de resistência à opressão. Em seu poema “A Manga”, Paula Tavares adota esta postura, através de um lirismo intimista feminino, abordando a sexualidade (comum a todo ser humano) com uma ótica feminista. Inverte o valor de sexualidade presente no catolicismo europeu, adotando através de uma imagem bíblica e da língua portuguesa, um ponto de vista especificamente angolano, mostrando, dessa forma, o caráter de resistência dessa literatura.
REFERÊNCIAS
RUI, Manuel. Eu e o outro – O Invasor ou Em poucas três linhas uma maneira de pensar o texto. In: MEDINA, Cremilda. Sonha Mamana África. São Paulo: Epopéia, 1987.
TAVARES, Paula. Ritos de Passagem. 1 ed. Luanda: União dos Escritores Angolanos, 1985, p. 16.
Olá, gostei da sua análise. Em breve Farei um post dos livros da Ana Paula Tavares no meu blog www.literaturasafrikanas.blogspot.com
ResponderExcluirUm abraço, Raya
Obrigada Raya! Vou conferir no seu Blog! Abraço!
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