DISCRIMINAÇÃO E RACISMO NO BRASIL

Discriminação e racismo no Brasil: considerações sobre afirmativas do senso comum.


Patrícia Campos Luce
Júnia Bertolino da Silva
Emerson de Paula Silva
Maria Goreth Costa Heredia Luz

Resumo
Aborda o racismo e a discriminação no Brasil a partir de um discurso do cotidiano de professores da rede pública de ensino, sugerido em sala de aula no curso de especialização em Estudos Africanos e Afro-Brasileiros da Puc/Contagem. Levanta discussão sobre os padrões sociais vistos como ideais na sociedade brasileira. Destaca a questão do conflito racial como temática que deve vir à tona, principalmente dentro da escola, como forma de debater o racismo e suas conseqüências para os afro-descendentes inclusive na atualidade. Discute a importância da tomada de consciência política como forma de combate às desigualdades sociais.

Palavras-chaves: Discriminação; Racismo; Padrões; Desigualdade social.


1 – QUESTÃO PROPOSTA

“Em uma sociedade como a nossa, todos que fogem aos padrões são discriminados. Ninguém se salva: gordos, feios, negros, brancos-azedos, etc”.

2 – ANÁLISE DA QUESTÃO

A afirmação levanta diversas questões que devem ser analisadas. Primeiramente, o fato de parecer natural discriminar no Brasil. O tom da afirmativa conduz ao fato de que, no Brasil, faz parte do cotidiano, discriminar aqueles que fogem aos padrões. Isso levanta uma segunda problemática: os padrões que predominam no Brasil. É fato que o país carrega um processo histórico de valorização da cultura externa (européia na época). Isso se iniciou com o processo de colonização, continuando até os dias atuais. O modelo europeu e, mais recentemente norte-americano, é definido como o padrão ideal cultural, político, social, científico, econômico, estético e racial a ser seguido. Desta forma, os meios de comunicação de massa perpetuam estes padrões nas entranhas sociais, levando as pessoas a uma alienação sobre sua própria cultura, sua diversidade, suas diferenças (que não podem tornar-se desigualdades) e identidade, desestabilizando a formação política para uma tomada de atitude que modifique estes padrões nos diversos setores da sociedade, escancarando a existência da discriminação, tirando-na do sentido de normalidade. E isso atinge também a escola, o senso comum, os partidos políticos, os acadêmicos, etc. As outras matrizes culturais formadoras do Brasil – indígena e africana – não são consideradas tão importantes quanto a matriz européia (e atualmente norte-americana) ditada como melhor e ideal. Ocorre então a discriminação dos que fogem a estes padrões definidos como ideais.

Outro ponto de vista analisado é o paradoxo existente na afirmativa. Ao mesmo tempo em que se diz: “ninguém se salva” – generalizando a discriminação - classifica-se posteriormente quem são os que não se salvam: “gordos, feios, negros, branco-azedos, etc”. Ou seja, não são realmente todos que não se salvam. Os que sofrem discriminação são aqueles que fogem aos padrões estéticos impostos como ideais e aos padrões raciais também considerados como ideais. Cabe aqui, uma observação especial sobre a questão racial.

O Brasil tem uma história permeada de racismo e exclusão social do negro e do indígena. Comparado com outras nações foi o país que escravizou o maior número de negros, além de ser o último país do mundo cristão a abolir a escravidão. O processo de escravização do negro também foi carregado de uma desvalorização cultural e do indivíduo enquanto ser humano dotado de valores, história e identidade própria. O padrão racial branco, sempre foi colocado como o padrão ideal e beneficiário dos recursos do país. A elite brasileira sempre foi branca. O negro e o indígena não tiveram as mesmas condições e oportunidades que os brancos no nosso país. Basta lembrar, por exemplo, que devido à vontade política daqueles que estavam no poder, tomados de preconceitos e do eurocentrismo vigente na época, principalmente pelas teorias racistas, resolveram embranquecer o Brasil, incentivando, principalmente, a entrada de imigrantes e outras medidas; que o processo de inclusão social do negro – mesmo depois da abolição – nunca ocorreu para beneficiá-lo de alguma forma; que os negros eram proibidos de freqüentar a escola, etc. Depois da obra de Gilberto Freyre – Casa Grande e Senzala – o país passou a se enxergar como democracia racial, livre de preconceitos e conflitos étnicos. Portanto, dentro desta perspectiva, as pessoas tinham receio de levantar a questão do preconceito no país. Assim, a discriminação ficava camuflada. Hoje, o debate está novamente em pauta, mas ainda prevalecem muitos tabus quando o assunto é o conflito racial e desigualdades sociais baseadas no racismo vigente.

Muitos movimentos de resistência ocorreram e ocorrem até hoje. Mas para que a democracia ocorra de fato, é preciso uma mudança estrutural e política, partindo do governo e que atinja diversos setores sociais: educação, cultura, lazer, economia, mercado de trabalho, política, etc. A forma como o conflito racial deve ser abordado é de extrema importância, principalmente (embora não exclusivamente) naquele que é, sem dúvida, o maior meio de formação de opinião e de desenvolvimento social no nosso país: a educação pública. Assim, a tomada de consciência política, de valorização cultural, de reconhecimento da existência das diferenças sem que elas se tornem desigualdades, a busca pela formação de uma identidade livre de padrões pré-concebidos deve começar a ser desenvolvida dentro da escola. Para isso, o debate sobre a questão racial deve vir à tona. Dentro desta perspectiva, a afirmativa proposta para o trabalho, levanta a questão racial como motivo de discriminação na nossa sociedade: “ninguém se salva: (...) negros, branco-azedos, etc”. O conflito racial ocorre, mas é fato que os negros sofrem muito mais com o preconceito e discriminação racial do que os brancos, em uma sociedade de elite branca, dotada de manejos para dificultar (ou proibir) o afro-descendente de ter acesso aos recursos teoricamente democráticos. E isso não é discutido e nem destacado na afirmativa proposta, mostrando mais uma vez a dificuldade em se “dar cor” aos que sofrem mais preconceitos .

Finalmente, cabe ressaltar, sob a ótica da criança na escola, que para produzirmos um olhar crítico nas crianças frente às imagens e padrões que lhes bombardeiam e sobre a questão racial, é necessário consolidar a importância da diversidade humana. É necessário também, aprofundar na importância dos diferentes tipos de pessoas que se unem para consolidar uma nação e sobre o viés da tomada de consciência política que a questão exige, para mudanças sociais.

É dever nosso (seja no ambiente escolar ou não), desbancar o olhar colonizador que nos é imposto até hoje, assumirmos discussões e nos mobilizarmos através da criação de ações que promovam afirmações, soluções, tolerância e igualdade efetiva. A criação de ações afirmativas, como instrumento político e jurídico, por exemplo, é uma manobra de extrema importância dentro deste contexto.

BIBLIOGRAFIA
SANTANA, Patrícia Maria de Souza. Apostila da disciplina de Educação, Políticas Públicas e Ações Afirmativas do curso de pós-graduação em Estudos Africanos e Afro-brasieliros da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Contagem: Instituto de Educação Continuada, 2006.

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