SOBRE MESTRE BIMBA E A LUTA REGIONAL BAIANA (CAPOEIRA REGIONAL)

MESTRE BIMBA


Trabalho para a Semana da Cultura Bantus Capoeira
Patrícia C. Luce
Leandro Couri
1- Introdução.
A criação da Luta Regional Baiana teve o intuito de mesclar as raízes da capoeira angola, que até então nem possuía essa diferenciação, com acrobacias e golpes de outras artes marciais. Das seqüências e dos toques de berimbau criados por mestre Bimba fez-se a Luta Regional Baiana (LRB), que posteriormente foi popularizada sob o nome de capoeira regional.

Para mestre Bimba, seu maior idealizador, o diferencial da LRB era a sua seqüência de ensino, onde se passava ao calouro movimentos básicos para a prática da capoeira e, também, incutia a noção de parceria, de autoconfiança e de esquiva. Dentre as várias “leis” imbutidas nesse estilo de luta-arte está o toque e o jogo de iúna. Do toque sem canto e sem palmas, onde o berimbau é acompanhado por dois pandeiros de couro e do jogo, que prima pela plasticidade dos movimentos e do controle neuro-corporal dos capoeiristas, a iúna se mostra realmente mandigueira.

Não obstante, se verá que a iúna também é utilizada por praticantes da capoeira angola. Discípulos de mestres consagrados, como mestre Canjiquinha, que valorizava a inventividade na capoeira, executam a iúna como toque solene de vida ou de morte, ou de festa e chegam até a cantar, como se verificou na música gravada por Gilson Fernandes, o mestre Lua-Rasta.

Mas para efeitos de estudo e, apesar da citação e do comparativo, se aprofundará aqui somente a filosofia de Bimba pois, até mesmo os angoleiros, não é usual a iúna, que tem como característica, no toque do berimbau, o fato de não haver o “preso” e, somente, a batida solta e arranhada.

Capítulo 2.

“Salve o mestre Bimba, criador da Regional”
(mestre Camisa)

Nome: Manoel dos Reis Machado (Mestre Bimba)

Nasceu em 23 de Novembro de 1900

Faleceu em 05 de Fevereiro de 1974

Residência: Sítio Coroano nº 57 - Nordeste de Amaralina

Comercial: Rua Francisco Muniz Barreto nº 01 - Pelourinho

Profissão: Professor de Capoeira

Local de Trabalho: Residência

N.º Carteira de Identidade 318.72 - Instituto Pedro Mello

Altura:1,93 cm

Peso: 89 quilos

Filiação: Luiz Cândido Machado/ Maria Martinha do Bomfim

Manoel dos Reis Machado, nasceu na periferia do bairro de Brotas e recebeu de batismo o nome ‘BIMBA’ , em decorrência de uma aposta feita entre a sua mãe e a parteira que dizia ser macho.

O primeiro local onde Bimba treinou capoeira era conhecido como Estrada dos Boiadeiros, no bairro da Liberdade. Seu primeiro mestre foi o Africano Bentinho capitão da Companhia de Navegação Baiana. Nessa ocasião, tinha 12 anos de idade. Seu curso teve duração de 4 anos e o método era a capoeira antiga, que ele ensinou por 10 anos, num local conhecido como “Clube União em apuros”, bairro da Liberdade (bairro este habitado por pessoas na sua maioria de pele negra).

No ano de 1929, Bimba começou a desenvolver um estilo diferente de capoeira. Fazendo a junção da capoeira tradicional com o Batuque, além de golpes de outras artes, que deveriam obedecer a uma seqüência de ensino, bem como a superação individual do corpo e da mente, mestre Bimba desenvolve a luta Regional Baiana que, posteriormente, foi popularizada sob o nome de capoeira regional.

Em 1932, fundou sua primeira academia no bairro do Engenho Velho de Brotas. Oficialmente foi a primeira academia de capoeira a ter alvará de funcionamento datado em 23 de Junho de 1937. No mesmo ano, fez a primeira apresentação do seu trabalho para o interventor general Juraci Magalhães, onde havia presentes autoridades civis, militares entre outros convidados ilustres.

Em 1939, mestre Bimba ensinou capoeira no quartel do CPOR. Em 1942 instalou sua segunda academia.

Em 1953, Mestre Bimba se apresentou para o presidente Getúlio Vargas, este declarou ser a Capoeira o único esporte verdadeiramente nacional.

A capoeira, que não era bem vista aos olhos da sociedade, desde antes do fim da escravidão e após a criação da república foi finalmente registrada como arte genuinamente brasileira. O seu Centro de Cultura Física Regional se fixou na Rua Francisco Muniz Barreto nº1, bairro do Pelourinho, Salvador, Bahia.
Em 1972, Bimba realizou a sua última formatura em vida no mesmo centro de cultura física regional. Nesta formatura o (Mestre Vermelho27 ) foi o orador:

Manoel dos Reis Machado, o mestríssimo mestre Bimba, é o pai da capoeira regional. Aprendeu capoeira aos 12 anos, com o mestre africano Bentinho. Já adulto, exerceu funções de destaque para a cultura baiana. Foi alabê no candomblé, função de zelador do terreiro. Pelo porte grande e respeito que imprimia, ganhou o apelido de Rei Negro e era saudado pelo grito de guerra "Bimba é bamba!". Em 1949, o escritor Monteiro Lobato o conheceu e lhe dedicou o conto Vinte e dois de Marajó, que conta a história de um marinheiro capoeirista. a.B e d.B (antes de Bimba e depois de Bimba). Assim podem ser entendidas as mudanças sofridas pela capoeira no início de século. Antes de Bimba, a luta era ilegal, passível de punição pelo Código Penal, discriminada pela burguesia como coisa de malandro, de escravo fujão. Os capoeiristas sequer sonhavam em sobreviver dessa manifestação popular. Bimba rompeu com este ranço. Deixou as funções de carroceiro, trapicheiro, carpinteiro, doqueiro, carvoeiro para abraçar a capoeira e o seu instrumento mais ilustre, o berimbau, hoje identificado como símbolo da Bahia nos 5 continentes.

Porém, no Brasil, só em 1999 a capoeira e o berimbau tiveram seus termos, como abadá e aú, incluídos na edição do Dicionário Aurélio, livro referência da língua portuguesa. Se estivesse vivo, mestre Bimba completaria 106 anos este ano. Morreu aos 74 anos, em Goiânia, sem presenciar a profissionalização da capoeira que ajudou a criar. "Meu pai morreu de banzo (tristeza), por não ver a capoeira respeitada", revela o filho Demerval machado, o Mestre Formiga.

Mestre Bimba acreditava que a capoeira tinha que se renovar para não ser engolida pelas lutas estrangeiras. A preocupação, apesar de à primeira vista soar bairrista, tinha razão de ser. Até hoje, são lutas como o boxe americano e o judô japonês que circulam na mídia, nas Olimpíadas, lotando estádios e enriquecendo seus atletas, empresários e patrocinadores, como se pronunciou a Associação de Capoeira Mestre Bimba:

Lutando incessantemente para que a capoeira fosse reconhecida como a legítima arte marcial brasileira, Mestre Bimba criou a Capoeira Regional, jogo que ganhou este batismo pela aversão do mestre a estrangeirismos, fazendo questão de chamá-la de "Luta Regional Baiana". A Capoeira Regional é um estilo menos ritualístico do que a capoeira tradicional, conhecida como angola.

Os golpes introduzidos por Mestre Bimba facilitavam a defesa pessoal quando do embate com praticantes de outras lutas, como as artes marciais importadas muito populares no Brasil nas décadas de 30 e 40. Nessa época, desafiou todas as lutas e consagrou-se como primeiro capoeirista a vencer uma competição no ringue, quando o público incentivava com o grito de guerra "Bimba é bamba!". (www.capoeiramestrebimba.com.br)

2.1- Principais características da Luta Regional Baiana

2.1.1- Exame de Admissão:

Consistia de três exercícios básicos: cocorinha, queda de rins e ponte, com a finalidade de verificar a flexibilidade, força e equilíbrio do iniciante. Em seguida a aula de coordenação, onde o aluno aprendia a gingar auxiliado pelo Mestre Bimba. Para ensinar a ginga, Bimba convidava o aluno para o centro da sala e, frente-a-frente, pegava-o pelas mãos e ensinava primeiramente os movimentos das pernas e a colocação exata dos pés, e, em seguida, realizava o movimento completo em coordenação com os braços. Este momento era importantíssimo para o iniciante pois lhe transmitia coragem e segurança. Acordeon ex-aluno de Bimba poetiza:
...ele era forte na alma, tinha uma faca no olhar que cortava e gente de cima a baixo quando estava a ensinar...
(Itapoan em www.capoeirabrasil.com.br )

2.1.2- Seqüência de ensino de mestre Bimba:

Mestre Bimba criou o primeiro método de ensino de capoeira, que consta de uma seqüência lógica de movimentos de ataque, defesa e contra-ataque, que pode ser ministrada para os iniciantes na forma simplificada. Dessa forma, tinha o objetivo de causar motivação e segurança, como explica Jair Moura, ex-aluno de Bimba:
“Esta seqüência é uma série de exercícios físicos completos e organizados em um número de lições práticas e eficientes, a fim de que o principiante em capoeira, dentro de um menor espaço de tempo possível, se convença do valor da luta, como um sistema de ataque e defesa ".
As seqüências originais são formadas por 17 golpes, onde cada aluno executa 154 movimentos e a dupla 308, o que desenvolve o condicionamento físico e a habilidade motora específica dos praticantes.


2.1.3 - Sequências de Bimba

É a partir das seguintes sequências que, segundo o método de Bimba o capoeira se credenciaria para sua primeira graduação:

1ª Sequência

Jogador 1 - meia-lua de frente, meia lua de frente, bênção e aú de rolê.

Jogador 2 - Cocorinha, cocorinha, negativa e cabeçada.

2ª Sequência

Jogador 1 - 2 martelos, cocorinha, benção e aú de rolê.

Jogador 2 - 2 rasteiras, armada, negativa e cabeçada.

3ª Sequência

Jogador 1 - queixada, queixada, cocorinha, bênção e aú de rolê.

Jogador 2 - cocorinha, cocorinha, armada, negativa e cabeçada.

4ª Sequência

Jogador 1 - godeme, godeme, arrastão e aú de rolê.

Jogador 2 - 2 parada de godeme, galopante, negativa e cabeçada.

5ª Sequência

Jogador 1 - arpão de cabeça, joelhada e aú de rolê.

Jogador 2 - cabeçada, negativa e cabeçada.

6ª Sequência

Jogador 1 - meia-lua de compasso, cocorinha, joelhada lateral, aú de rolê.

Jogador 2 - cocorinha, meia-lua de compasso, negativa e cabeçada.

7ª Sequência

Jogador 1 - armada, cocorinha, benção, aú de rolê.

Jogador 2 - cocorinha, armada, negativa e cabeçada.

8ª Sequência

Jogador 1 - bênção e aú de rolê.

Jogador 2 - negativa e cabeçada.


2.1.4- Cintura Desprezada

É uma seqüência de golpes ligados e balões, também conhecidos como movimentos de projeção, onde o capoeirista projeta o companheiro, que deverá cair em pé ou agachado. Jamais sentado. Tem o objetivo de desenvolver a auto-confiança, o senso de cooperação, responsabilidade, agilidade e destreza.

Os golpe que fazem parte desta seqüência são:


CINTURA DESPREZADA

Aú Balão de lado

Tesoura de costas Balão cinturado

Apanhada Gravata alta


O doutor Ângelo Augusto Decânio Filho, mestre Decânio, ex-aluno de Bimba e autor do livro “A herança de mestre Bimba - Lógica e Filosofia Africanas da Capoeira" assim descreveu as sequências de balões:
Ensina a saltar ante a ameaça duma projeção... a cair com segurança e elegância...evidencia a interdependência dos jogadores, sem a qual não se joga, nem aprende a capoeira!
deve ser executada no início de cada treino...
Com pele ainda seca, camisa de malha de algodão em piso firme não escorregadio. Nas primeiras sessões o calouro deve praticar com o mestre (...) o contra-mestre (...) ou um formado confiável para evitar acidentes.


2.1.5 Batizado


É um momento de grande significado para o aluno, depois de ter aprendido toda a seqüência, encontra-se apto para jogar pela primeira vez na roda. Itapoan, ex-aluno retrata o batizado da seguinte maneira:

"O batizado consistia em colocar em cada calouro um "Nome de Guerra": o tipo físico, o bairro onde morava, a profissão, o modo de se vestir, atitudes, um dom artístico qualquer, serviam de subsídios para o apelido".
De acordo com documentos publicados, na intimidade da academia de mestre Bimba ele assim se dizia: "Você hoje vai entrar no aço!". Desta maneira o mestre avisava ao calouro que chegou a hora do seu batizado, o que era um momento de grande emoção, pois, ele iria jogar capoeira pela primeira vez em uma roda amimada pelo berimbau. Para este jogo era escolhido um formado ou um aluno mais velho que estivesse na aula, que como padrinho incentivava ao afilhado a jogar ( soltar o jogo ), e após o jogo o mestre no centro da roda levantava a mão do aluno e então era dado um apelido (nome de guerra) com o qual passaria a ser conhecido na capoeira.

2.1.6 - Graduações

Após o iniciante ter aprendido os movimentos básicos da luta regional baiana e “batizado”, segundo às exigências de seu grupo de capoeiras, receberia seu apelido e sua primeira graduação, um lenço azul, que significava “aluno formado”. Ao próximo estágio, o aluno conquistaria o lenço vermelho, para o aluno formado e especializado e, lenço amarelo para os alunos que passaram pelo curso de armas. Após esses estágios o capoeirista receberia o lenço branco designado para contra-mestres. Em vida, mestre Bimba formou somente três contra-mestres ,

De acordo com a Associação de Capoeira Filhos de Bimba, que hoje tem a frente, mestre Bamba, que, por sua vez, foi aluno de mestre Vermelho 27, aluno de Bimba, o método de ensino em seqüências foi criado para ordenar um condicionamento do aluno. A partir do momento em que o capoeirista conseguisse executar certos movimentos, ele passa a aperfeiçoa-los:

Logo após a primeira graduação, ou batismo, Mestre Bimba então iniciava os ensinos mais avançados como as técnicas de floreio, as seqüências de defesa pessoal, e muitas outras levando a considerar o aprendizado da capoeira infinito, já que como ele mesmo falava, o golpes básicos da capoeira são 7, e desses 7 mais sete podem ser feitos e assim por diante, sendo que qualquer movimento do corpo é aceito dentro de uma roda, desde que ele seja regido pelo som do berimbau e mantenha o ritmo da ginga. (mestre Bamba em entrevista ao grupo Bantus em janeiro de 2005;)

2.1.7- Formatura

A formatura era um dia especial para o mestre e seu alunos. Havia um ritual com direito a paraninfo, orador, madrinha, lenço de seda azul e medalha. A festa era realizada no Sítio Caruano, Nordeste de Amaralina na presença de convidados e de toda a academia. Os formandos, vestidos todo de branco, usando basqueteiras , atendiam o chamado do mestre Bimba, que solicitava a demonstração de golpes, seqüência, cintura desprezada, jogo de esquete (jogo combinado), em seguida a prova de fogo, o jogo com os formados, também chamado de "Tira Medalha", um verdadeiro desafio, onde os alunos formados antigos tentavam tirar a medalha dos formandos com o pé, e assim manchar a dignidade e roupa impecavelmente branca. Itapoan descreve:

, "O objetivo do formado antigo era tirar com um golpe aplicado com o pé, a Medalha do peito do formando, caso isso acontecesse, o aluno deixava de formar, o que era um vexame!". Por isso o aluno jogava com todos os seus recursos, enfrentando um capoeirista malicioso e técnico até o momento que o Mestre apitasse para encerrar o jogo. Aí, o formando conferia se a medalha continuava presa ao peito, que alivio estava formado! Dando continuidade ao ritual de formatura acontecia as apresentações de maculelê, Samba de Roda, Samba Duro e Candomblé.

2.1.8- Esquenta Banho

Segundo Itapoan o "esquenta banho" originou-se da necessidade dos alunos de se manterem aquecidos "esquentados". Após o término da aula, todos os praticantes corriam para o banheiro afim de tomarem uma chuveirada. No entanto, o banheiro da academia era pequeno com um só chuveiro com água fina e fria, o que proporcionava um congestionamento e a inevitável fila.

Para não esfriar o corpo, os alunos mais velhos, normalmente os formados tomavam a iniciativa e começava o "Esquenta Banho". Também chamado de "Bumba Meu Boi"ou "Arranca Rabo", era um espaço para acerto de contas e/ou para testar suas capacidades desafiando dois, três, ou mais adversários. Também era muito comum o utilizar esse momento para o treinamento de golpes difíceis e sofisticados como: vingativa, rasteira, banda de costa e etc.


2.1.9- Curso de Especialização

Este era um curso ‘secreto’, onde só poderia participar os alunos formados. Tinha como objetivo o aprimoramento da capoeira, com ênfase para os ensinamentos de defesa e contra-ataque de golpes advindos de um adversário portando armas como: navalha, faca, canivete, porrete, facão e até armas de fogo. Sua duração era de três meses divididos em dois módulos, o primeiro com a duração de sessenta dias e era desenvolvido dentro da academia através de uma estratégia de ensino. O segundo, com duração de 30 dias e realizado na Chapada do Rio Vermelho, tinha como conteúdo as "emboscadas", a qual Itapoan, de forma quase folclórica, assim se refere:

"Uma verdadeira guerra. Um verdadeiro treinamento de guerrilha. Bimba colocava de quatro a cinco alunos para pegar um de emboscada. O aluno que tivesse sozinho tinha que lutar até quando pudesse e depois correr, saber correr, correr para o lugar certo". Ao final do curso, o mestre Bimba fazia uma festa aos moldes da formatura e entregava aos concluintes um "Lenço Vermelho" que correspondia a uma titulação de Graduação dos Formandos Especializados. (www. capoeirabrasil-ce.com.br)

2.2- Músicas

Podemos dividir em duas partes - a primeira referente aos toques de Berimbau, São Bento Grande, Santa Maria, Banguela, Amazonas, Cavalaria, Indalina e Iúna.

A rigor, cada toque tem um significado e representa um estilo de jogo. São Bento Grande é um toque que tem ritmo agressivo e indica um jogo alto, com golpes aprimorados e bem objetivos, um "jogo duro".

A Banguela é um toque que chama para um jogo compassado, curtido, malicioso e floreado.

Cavalaria é o toque de aviso, chama a atenção dos capoeiristas que chegou estranhos na roda, outrora avisava da aproximação de policiais.

Iúna é um toque especial para os alunos formados por mestre Bimba. Incita um jogo amistoso, curtido, malicioso e com a obrigatoriedade do esquete . Santa Maria, Amazonas e Idalina são toques de apresentação. A segunda referência é sobre as musicas - quadras e corrido. As quadras são pequenas ladainhas com versos composto de 4 a 6 linhas. O corrido são cantigas com frases curtas que é repetido pelo coro.


2.3- Iúna

Em seguida, uma rápida explicação sobre o tema, que será desenvolvido no próximo capítulo.

A iúna é uma marca registrada da capoeira regional de mestre Bimba. É um toque de berimbau que era tocado no final das aulas ou em eventos especiais. Nessa hora, só os alunos formados tinham acesso a roda, com a obrigatoriedade de realizar um "jogo de floreio", bonito, criativo, curtido, malicioso e que deveria ter movimentos de projeção. Este jogo suscitava muita admiração e emoção.

Ao final do jogo, os espectadores, assim como os que estavam na beira da roda, aplaudiam os capoeiristas em sinal de respeito e admiração.

3. A Iúna é mandigueira!

…A iúna é mandigueira! A iúna é mandigueira! Vai jogar no bebedor…também já foi ligeira mas a capoeira matou haha…água de beber….(mestre Bimba)

3.1- Jogo de destreza

Segundo os fundamentos da Luta Regional Baiana, o jogo de iúna é acompanhado do toque de um berimbau gunga e dois pandeiros de couro, que são tocados tradicionalmente sem palmas ou outros instrumentos. Segundo o método de Bimba, a iúna serve para demarcar a destreza e o domínio corporal de cada jogador, além dos níveis hierárquicos dos capoeiristas mais experientes (alunos formados, professores, contra-mestres e mestres).

Dentre estas habilidades, podemos citar saltos, piruetas, firulas, paradas-de-mão, etc. É um jogo em que os camaradas deixam um pouco de lado a objetividade de luta e valorizam a destreza com movimentos alongados e bonitos, mostrando a grande plasticidade da capoeira. Para luta regional baiana, hoje mais conhecida como capoeira regional, nesse momento não há canto, apenas observa-se o desenrolar dos jogos que, geralmente, são aplaudidos ao final. No jogo de iúna não é ético acertar o adversário ou derrubá-lo durante uma acrobacia ou golpe.

Mestre Bimba costumava desenvolver neste ritmo a chamada "cintura-desprezada", que consistia em uma seqüência de balões (movimentos em que um jogador e lançado para o alto e precisa cair em pé), geralmente exigido ao aluno graduado, como explica mestre Decânio:

A importância que Mestre Bimba emprestava ao "jogo" (componente lúdico) da capoeira é expressa pela obrigatoriedade dos "formados" executarem o jogo da iúna como confirmação de sua qualificação como capoeirista.

Devemos realçar que o Bimba criou um método de ensino rápido, dinâmico e eficiente para os desprovidos da herança cultural dos africanos.

O aprendizado da capoeira obedecia a uma ordem natural:

1. seqüência fundamental ou de ensino;

2. seqüência de balões;

3. acoplamento dos movimentos fundamentais à dinâmica dos toques do berimbau;

4. treinamento dos movimentos e prática sob o toque do berimbau (sem acompanhamento de cantos, palmas ou de outro qualquer fonte sonora, para que o aluno guardasse toda atenção ao comando da dinâmica corporal pelo ritmo-melodia do berimbau, que indica os momentos de ataque e assim ajusta os movimentos dos parceiro em lide;

5. formatura;

acesso livre e gratuito à prática em qualquer local de jogo de capoeira regido pelo Mestre Bimba, especialmente os treinos secretos; participação nas aulas do Mestre com guias ou contramestres; ressalvando-se os cursos de especializado em que o formado se apresentava como discípulo de nova categoria; direitos a que se acrescentava a obrigação de participar de todo jogo de iúna em que estivesse presente. (A. Decânio Filho)

Mestre Bimba ainda valorizava espontaneidade dos movimentos, do jogo em baixo, da demonstração de controle neuro-muscular, da perfeição da técnica e dos reflexos, além da obediência estrita ao ritual do jogo da capoeira. Para ele, o capoeirista formado deveria, assim, comprovar a sua habilitação.

3.2- A iúna na capoeira angola

3.2.1-Abertos à transformação

Alguns capoeiristas pesquisadores atribuem a criação do toque de iúna ao mestre Bimba. Outros dizem que é de domínio popular, assim como não existiria um criador da capoeira, a qual é resultado de inúmeras experiências e miscigenações brasileiras. Destarte, até mesmo para os praticantes de capoeira angola existe uma confusão. Mestre Primo, um dos fundadores do grupo de capoeira angola “Iúna”, também reconhece que o estilo é uma criação de Bimba e que, posteriormente, também fora agregado pelos angoleiros.

De acordo com essa pesquisa, mesmo na capoeira angola, onde existe o ritmo de iúna usado em ocasiões especiais, como festas, comemorações ou morte de algum mestre, cuja orquestra é formada por todos os instrumentos que compõe uma roda de angola, o momento é solene. Há registros da iúna com canto, a exemplo da música gravada no CD de mestre Lua Rasta que, assim como o seu mestre, o Canjiquinha , é a favor de inventividade na capoeira:

“Minha capoeira sempre foi uma capoeira moderada, teatral e de brincadeira, mas sempre na ânsia de liberdade de ação, de liberdade de expressão e de movimento. Nunca fui um capoeira militarizado, sistemático. O importante é que eu me identifique com a dinâmica de jogo, no canto, no toque, na ginga, que tudo seja harmonizado, como fazia o mestre Canjiquinha...” (mestre Lua-Rasta)


3.2.2- Angoleiros ‘Xiitas’

Após a popularização da capoeira regional e do crescimento das academias desse porte por todo Brasil e no exterior, alguns praticantes de capoeira angola se acharam na obrigação de reorganizar os fundamentos da capoeira angola:

Preocupados, os adeptos da capoeira tradicional passaram a chama-la de “capoeira angola”, para diferencia-la da regional, que crescia rapidamente...” (revista “Angoleiro é que eu sou” Associação Cultural Eu Sou Angoleiro; pág.6)

Mestre Moraes foi um dos defendeu uma organização da capoeira angola. Ele, entre outros, estipularam que a roda deveria ter três berimbaus: o gunga, o médio e o viola, além de atabaque, reco-reco, pandeiro e a-gô-gô. Calça preta e blusa amarela, para seguir a tradição de mestre Pastinha que, somente nas apresentações, usava essas cores, em homenagem ao seu time do coração, o Ipiranga.

Hoje em dia nas rodas de capoeira angola, tem-se a impressão que a ritualística da angola é antiga e tradicional. Alguns mestres dizem que não se pode jogar capoeira angola descalço: “não condiz com a tradição”, com se referiu o contra-mestre Renêe, grupo Camujerê. Mas a “tradição” é contraditória quando vemos imagens de mestres consagrados e antigos jogando sem sapatos, como é o caso da imagem abaixo, na qual mestre Paulo dos Anjos, que formou grandes mestres na Bahia, aparece jogando de “pé no chão”:


4- Conclusão

Capoeira do Brasil

A capoeira está em constante movimento. Não só enquanto prática, mas culturalmente ela está sempre sendo aperfeiçoada pelos praticantes. As ‘regras’ são naturalmente estipuladas em cada roda, em cada estilo. Dos vários grupos de capoeira hoje existentes, cada um tem sua forma de funcionar, de graduar, de jogar.

Para os angoleiros, quase sempre ortodoxos, existe um movimento quase que ‘anti-capoeira-não-angola’, o que não condiz com a ânsia de liberdade, cenário a qual surgiu a capoeira, luta de libertação. Mesmo assim, pode-se perceber que existem seguidores da capoeira angola que não estão envolvidos em uma “camisa de força” pregando o que é certo ou errado numa roda de capoeira. Prova disso é a transmutação da iúna com canto, como se viu na pesquisa.

Já os capoeiristas regionais e/ou contemporâneos que, assim como disse mestre Barrão, “obedecem ao som do berimbau” e procuram construir sua identidade de acordo com a evolução do próprio trabalho, a expansão da capoeira se torna inerente. Grupos com essa mentalidade, ou seja, a de movimento, se espalham pelo mundo afora, como é o caso do grupo Bantus Capoeira (de Belo Horizonte - Minas Gerais) , coordenado por Paulo César Leite dos Santos, o mestre Pintor que, com 15 anos de trabalho possui ramificações na Europa (Holanda, Alemanha e Israel), na Ásia (Japão, Malásia e Singapura), na Oceania (Austrália), além de algumas cidades brasileiras. Sobre esse movimento, mestre Pintor define a sua capoeira:

“Ânsia de uma poesia pela Liberdade...liberdade de movimentos e da alma...energia que faz o corpo lutar, dançar e cantar...um canto oprimido que se torna a apoteose de uma nação”.

Comentários

  1. "... um canto oprimido que se torna a apoteose de uma nação" Muito bom, Paty! Gostei de ver. Depois procura no meu blog www.decostasproespelho.blogspot.com uma texto sobre o Daime... Pode ser uma inspiração (mesmo não tendo muito haver com a sua pesquisa de campo)... Bjs

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  2. Legal demais Pimenta!!! Vai dar o que falar, com certeza!!! Como vc disse, "é só pra quem mostra a carae se posiciona"!!! Ou na capoeira com se diz: "se vc quiser me ver, bote o seu navio no mar camaradinho..." Axé TT

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